Monday, January 29, 2007

Marcas da Violência (2005)


É engraçado como o simples é resultado de um complexo conjunto de variáveis. É resultado de experiência e amadurecimento. Menos é mais, costuma-se dizer. O filme "Marcas da Violência" ("A History Of Violence", 2005) parece isso, uma história simples porém poderosa cujas partes se desencadeiam umas das outras de forma "natural".
Um bom moço do interior, Tom Stall (papel de Viggo Mortensen), reage a criminosos que tentam assaltar o seu restaurante e acaba por matar os dois. A forma hábil como ele domina os adversários não chama tanta atenção quanto seu heroísmo. O resultado é que ele se torna um herói com direito a ampla cobertura da imprensa. O episódio e a popularidade atrai à pequena cidade um estranho senhor (Ed Harris) que diz conhecer Tom e que seu nome é Joey Cusack. E pior, quer levá-lo consigo a Philadélfia onde eles teriam contas a acertar.
Harris, com uma cicatriz no rosto, consegue transmitir o quanto sombrio pode ser esse ajuste de contas. A esta altura toda a família de Tom está asssutada com o que pode vir a ocorrer. O filme é relativamente curto, mas segue num crescente de tensão. Cronenberg não perde tempo com nada que lhe distraia o foco central. Assim vemos que Tom é querido na cidade, tem uma linda esposa (Maria Bello) que também é uma boa mãe de família, seu filho adolescente é um menino direito que consegue evitar problemas mesmo sendo constantemente provocado pelo valentão da escola. Tudo isso, claro, até o pai se tornar herói e o desconhecido aparecer.
Cronenberg mostra as coisas antes e depois (o sexo explorado no filme mostra duas facetas da transformação dos personagens e pontua com intensidade a crise em que a vida do casal mergulha). Fica claro que a violência deixa marcas e de uma certa forma está entranhada esperando a oportunidade de eclodir. Nesse quesito, uma observação interessante é que antes de mostrar o episódio em que Tom torna-se herói, Cronenberg apresenta os criminosos que ele vai enfrentar.
O filme inicia-se de forma impactante com os dois bandidos mostrando o quanto podem causar estrago. A entrada em cena de uma criança que não será poupada é parte da preparação do que está por vir. Tudo isso torna ainda mais forte e significativo o ato de Tom em defesa de sua funcionária e de seu estabelecimento. E mostra também que a violência está ao redor. É como se não houvesse para onde fugir, sem que se possa defrontá-la em algum momento.
Daí vamos para uma das camadas mais interessantes do filme de Cronenberg. Até onde pode, ele segura o segredo sobre a identidade de Tom, se ele afinal é ou não um homem de passado sanguinário. Quando isso nos é revelado enfim estamos numa das seqüências mais bem construídas do filme.
O esforço de Tom em viver de fato uma nova vida está evidenciado. Parece que o filme chega a este ponto. Ou seja, é a história de um homem que fez uma escolha e vai fazer o que for possível para preservar sua família. Tudo que Tom quer é deixar o passado enterrado. Mas como fazê-lo depois que os fantasmas daquele outro tempo voltam para aterrorizá-lo? Neste ponto, creio que é fácil que espectador e personagem vivam a mesma aflição. Porque pouco importa o que Tom/Joey pode ter feito no passado. O fato é que o personagem já conquistou a platéia e parece merecer justamente a nova vida que construiu. Não demora a se colocar a questão do duplo aqui e é outra camada de que é feito o filme. Todos nós podemos ser diferentes do que somos, é uma questão de escolha. O ator Viggo Mortensen encarna perfeitamente a dubiedade de seu personagem. Como acontece com Maria Bello que encarna perfeitamente a angústia de não saber quem é o marido e depois de ter que reaprender a viver com o novo Tom. Todo o elenco está muito bem neste longa, incluindo um atrapalhado William Hurt, em papel pequeno e marcante, quando faz um enriquecido homem do crime.
Ninguém fica o mesmo depois que a verdade vem à tona. A transformação é evidente no caso dessa família. O final tem a ver com a simplicidade que se falava no início. Não há enfeites, apenas a vida de volta transformada. Fica claro que um novo e difícil período se inicia, onde as coisas precisam começar do zero.

Título original: A History of Violence/ Direção: David Cronenberg/ Roteiro: Josh Olson, baseado em graphic novel de John Wagner e Vince Locke/ Elenco: Viggo Mortensen, Maria Bello, Ed Harris, William Hurt.

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