Thursday, January 25, 2007

Mais Estranho que a Ficção (2006)

"Não há nada melhor do que uma combinação de boas idéias com boas piadas." A declaração da atriz Emma Thompson, que interpreta a escritora Karen Eiffel no filme "Mais Estranho que a Ficção" (Stranger than Fiction, 2006) dá bem a dimensão do que o filme de fato é.
Não se trata de um filme arrebatador nem de uma projeto absolutamente novo. Outros filmes trataram de uma história dentro de outra e de um enredo onde personagens da realidade e da ficção se trombam, permitindo um questionamento de um mundo e de outro.
Enquanto assitia ao filme, eu pensava que se trata de uma história para as platéias, mas é também um experimento com alguma ousadia. Nem tanto pesado ou alternativo, nem tanto previsível. É uma comédia que usa de uma boa idéia, uma boa "sacada" alguém dirá, e que luta para dar um desfecho à altura dessa boa idéia que a gerou.
E vamos admitir que a idéia em que este filme se baseia é fabulosa, porque simples e original, e entretanto o desfecho não chega tão alto (embora também não chegue a se configurar numa decepção).
A trama é a seguinte. Harold Crick (Will Ferrell) é um funcionário da Secretaria de Fazenda, um fiscal do imposto de renda, que tem uma vida banal e absolutamente cronometrada.
Ele conta a quantidade exata de vezes que escova cada dente, tem horário certo para o café, e segue a sua vida solitária sem ambições. Até o belo dia em que ouve claramente uma voz narrando todos os acontecimentos de sua vida, incluindo o que vai no seu pensamento.
Em outro ponto da cidade está a dona da voz, a escritora Karen Eiffel, conhecida por sempre matar o seu herói no final do livro. A questão é que desta vez o herói é Harold, uma pessoa de carne e osso, que ouvindo essa narradora toma conhecimento de que sua morte é iminente.
É claro que ele vai tentar fazer o possível para evitar a morte e aí sua vida dá uma guinada. "O que você seria capaz de fazer se soubesse que sua morte está próxima" - este é um dos pilares do filme, embora secundário. E a partir daí, a vida de Harold vira de ponta cabeça.
No percurso, ele conhece o professor de literatura Jules Hilbert (Dustin Hoffman) que o convence de que ele deve mudar a vida para que o seu livro se torne uma comédia - quando ao invés de morrer no final, ele se casa e é feliz para sempre.
Embora Will Ferrell seja um reconhecido comediante, o humor aqui fica mais reservado ao personagem de Hoffman ou às próprias situações um tanto vexatórias em que o fiscal do imposto se mete para tentar conquistar o coração de uma radical (mas tenra) dona de uma confeitaria, a Ana Pascal (Maggie Gyllenhaal).
Há quem tenha nomeado o filme de tragicomédia para citar termos usados no próprio filme, em uma cena em especial. E o filme, embora se incline para o lado da comédia, apresenta um drama humano de um cara simples, cujo único desejo é evitar sua morte que parece cada vez mais próxima. Um encontro entre criador e criatura, personagem e autora é inevitável. E a forma como isso acontece é um dos momentos mais inspirados e interessantes do longa.
A narrativa é linear e crescente, aumentando a tensão enquanto nos faz imaginar de que maneira a autora vai assassinar seu herói. E se vendo com bloqueio criativo, a escritora sai à rua com uma assistente imposta pela sua editora (Queen Latifah) à busca de inspiração (afinal, o livro tem prazo).
A melhor coisa do filme é o personagem que nos dá Will Ferrell. Propositadamente banal e comum, Harold é o mais tridimensional dos personagens em cena e o que mais fácil conquista as simpatias do público, embora seja burocrático e correto de dar nos nervos.
A doceira Ana Pascal que faz o seu par romântico, vivida por Gyllenhaal, proporciona momentos bem bonitos ao lado de Ferrell. O interesse pela doceira é um dos pontos de distensão em relação ao drama da morte iminente e quase o ofusca.
E há outros tantos desses momentos que à mesma hora que distensionam o tema principal, permitem as condições para que ele sempre volte ao centro. As conversas entre o professor e Harold são alguns desses momentos.
Não há como não rir neste filme, mesmo diante das situações mais dramáticas. Aliás, o roteiro é feito para que assim seja. E temos a sensação de leveza, comédia leve e inteligente, o tempo todo. A montagem é rápida e embora tenha lido alguns críticos reclamando do ritmo, tudo flue sem problemas.
As imagens antecipadas do garoto e sua mãe que só vão ter de fato uma função no desfecho, parecem desnecessárias. Como parece desnecessária a cena do trator que demole parte do apartamento de Harold "por engano".
Ficamos sabendo que o objetivo foi mostrar que Harold não controla seu destino. Certamente, há formas menos "fantásticas" de se fazer isso. A cena parece uma escapulida do percurso clean e sem enfeites em que o filme vinha caminhando.
Por fim, é um longa-metragem com qualidades acima da média cujo maior mérito é se apoiar em uma boa idéia e conseguir desenvolvê-la, mantendo o bom nível.

Título original: Stranger than Fiction/ Direção: Marc Foster/ Roteiro: Zach Helm/ Elenco: Will Ferrell, Emma Thompson, Maggie Gyllenhaal, Dustin Hoffman, Queen Latifah.

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